As Crônicas de Gelo e Fogo

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quarta-feira, 17 de junho de 2009

Como pagar o dízimo se tornou uma forma de exercer a fé

O dízimo, comum a várias religiões, é popularmente conhecido como a contribuição, em dinheiro, que os fieis dão para sustentar suas igrejas e, ao mesmo tempo, garantir que suas preces serão ouvidas. São muitas as palavras que podem construir ou desfazer algo que é visto como uma obrigação cujo cumprimento é vantajoso, já que garantirá benesses, mas pouco se sabe realmente a respeito desta palavra que está em uso desde muito antes de Cristo.

Por que os fiéis pagam o dízimo para demonstrar sua fé?

Seg, 15 Jun, 02h46
Por Pedro Jansen/ Especial para o Yahoo! Brasil

Na Wikipedia brasileira, espécie de Enciclopedia Barsa colaborativa - mas de segundo escalão - o
dízimo é definido como "a décima parte de algo, paga voluntariamente ou através de taxa ou imposto, normalmente para ajudar organizações religiosas judaicas ou cristãs. Apesar de atualmente estar associada à religião, muitos reis na Antiguidade exigiam o dízimo de seus povos".

Na Desciclopédia, compêndio sarcástico-humorístico organizado de maneira semelhante à Wikipedia, o
tributo está definido como "uma contribuição de 10% de tudo o que o otário fiel de uma determinada igreja tem que pagar".

Y! Respostas: O que você acha do dízimo?

As duas definições, embora imprecisas (uma, obviamente, mais que a outra), ajudam a compor o senso comum que a população cristã brasileira deve ter a respeito da colaboração voluntária, da taxa obrigatória, da décima parte do salário, a ser entregue para a Igreja. São muitas as palavras que podem construir ou desfazer algo que é visto como uma obrigação cujo cumprimento é vantajoso, já que garantirá benesses, mas pouco se sabe realmente a respeito desta palavra que está em uso desde muito antes de Cristo, e o cristianismo, nascerem.
É isso que nos apresenta o professor Wilson do Amaral Filho, da Escola Superior de Teologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie. "O dízimo é uma prática muito antiga, presente nos primeiros relatos bíblicos. [...] Tem-se a impressão que o dízimo tinha o sentido de retribuição por uma graça recebida, ou uma promessa diante de um desafio a ser vencido".

Sim, é verdade. A contribuição que você dá hoje para a sua igreja já existe desde Abraão, o homem que fundamentou o surgimento do Judaísmo, do Cristianismo e do Islamismo. Mas quando as doze tribos israelitas - os primórdios das religiões judaicas - foram libertas da escravidão imposta pelos egípcios, cerca de quatro séculos depois das primeiras doações, o dízimo aparece "reutilizado" para manter a tribo de Levi, que fora escolhida para se dedicar ao sacerdócio e, assim, estava impossibilitada de receber terra como herança.

Esse caráter de "ajuda" que o dízimo assumiu neste momento não impediu que a tribo ligada à profissão de fé também fizesse suas doações e possibilitou que viúvas e órfãos das tribos pudessem se manter. E este, caro leitor, era apenas o início do uso do dízimo. Séculos depois, ele se tornou um misto de colaboração e obrigação, seja por má compreensão da palavra de Deus pelos fiéis, seja por um desvio no discurso dos sacerdotes.

Para onde o seu dinheiro vai

Se estou escrevendo para uma das maiorias da população brasileira, os católicos - de acordo com o último censo do IBGE, de 2000, são quase 125 milhões de praticantes - a fábula a seguir fará sentido. Diz-se que um padre experiente chegou a uma comunidade do interior e, vendo que os habitantes do lugar não ligavam para a Igreja, não doavam o dízimo e decretavam que a Igreja havia morrido por aquelas bandas, decidiu mostrar quem estava sendo enterrado de verdade. Assim, convocou a comunidade para o enterro da Igreja e, convidando os presentes a mirarem o fundo do caixão que representava o velório da Instituição, os fazia encarar seu próprio reflexo vindo do espelho colocado ali estrategicamente. De autoria desconhecida, a fábula mostra mais do que se pensa.

"Por que dar o dízimo? Porque Ele [Deus] sustenta a vida de modo que nada falte ao dizimista. É um princípio de fé, e o cristão passa a entender que, por meio de seu dízimo, ele próprio coopera para a legítima pregação do Evangelho", defende o professor Wilson. Traduzindo as palavras anteriores, além de ser o fecho do ciclo de "me ajude que eu te ajudo", o dízimo é a forma legítima que se encontrou para garantir que a estrutura da Igreja seja mantida sem sustos. Ou como diz o padre Jerônimo Gasques em seu livro "Dízimo e Captação de Recursos - Desafio às Comunidades do Século 21", "o dízimo deve provocar um impacto naqueles que optam por essa alternativa, que, por sinal, deveria ser a única e exclusiva da comunidade cristã. [...] Todas as necessidades da comunidade devem ser supridas pelo dízimo".

E o que deve ser compreendido como necessidades da comunidade? Essa é uma dúvida que, mesmo respondida pelo professor Wilson e pelo padre Jerônimo, é simples de ser elucidada. Pense bem, que coisas precisam ser mantidas dentro da sua casa ou dentro da empresa em que você trabalha? O pagamento de funcionários, a manutenção da estrutura, a reposição dos itens de limpeza básicos, impostos... tudo isso custa dinheiro, como bem sabem você e seu patrão.

"Cada grupo evangélico tem sua própria destinação dos dízimos. Por força estatutária cada igreja local deve ter uma diretoria, e uma tesouraria que administra todas as receitas e despesas. Geralmente as igrejas cristãs históricas são muito zelosas quanto à questão da prestação de contas, mas não é possível afirmar que todas tenham essa prática.", afirma o professor Wilson.
Essa prestação de contas, no entanto, dá pintas de ser apenas mais uma parte do processo. Os caminhos que o dinheiro do dízimo pode fazer não aparentam ser parte das preocupações dos fieis, pelo menos aqueles que entrevistamos.

"O Pastor é um funcionário como qualquer outro e tem seu salário. O dinheiro do dízimo não passa pela mão dele, mas é controlado pelo tesoureiro. Se eu soubesse que o dinheiro estava sendo mal utilizado, ou até mesmo roubado por alguém, eu poderia até mudar de igreja, mas não deixaria de dizimar. Eu vou cumprir a minha parte e fazer o que Deus mandou que eu fizesse. Ele que acerte as contas com Deus depois sobre o que está roubando.", diz o fiel Josnaldo Paes da Silva, analista de suporte de 38 anos. O pensamento dele, batista desde que nasceu por influência de sua família, também evangélica, é compartilhado por Grasyela Pereira Trindade, hoje fiel à Bola de Neve Church mas que nasceu dentro da Assembléia de Deus.

"Me sentiria muito mal se soubesse [que o dinheiro do dízimo está sendo mal investido], mas não entrego com essa crença. Entrego nas mãos de Deus e peço que ele toque o coração das pessoas. Mas eu não tenho certeza, tenho ciência de que pode não ser usado, não dá mais para acreditar no ser humano". Grasy veio fugida do Paraná para São Paulo para estudar teatro e achou na Bola de Neve Church um abrigo.

Quem vigia os dizimistas?

É para oferecer este controle que o iDizimo foi criado. Esqueça a péssima frase de efeito anterior e se atenha ao seguinte: todo o serviço administrativo antes feito à mão agora pode ser substituído por uma ferramenta desenvolvida por Márcio Rubio da Rocha, ainda na faculdade de Sistemas de Informação, na qual se formou. A idéia do software que controla e organiza as entradas e saídas das doações surgiu de uma atividade exigida em uma disciplina do curso de Márcio. "Meu professor pediu para que desenvolvêssemos uma ferramenta e como sempre fui muito ligado à Igreja, pensei em como ajudar minha paróquia", diz o diretor executivo da iDizimo.

Presente em trinta paróquias espalhadas por São Paulo, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Espírito Santo, o software não exige instalação, pode ser gerenciado de qualquer computador com acesso à internet e oferece à paróquia dados completos, relatórios e gráficos da verba arrecadada. "Cobramos R$ 67 pelo uso e pela manutenção do serviço e já estamos com paróquias testando o iDizimo no Maranhão e na Paraíba".

Essa facilidade, no entanto, ainda é privilégio dos católicos. "O sistema iDizimo.com está restrito à Igreja Católica. Outras Igrejas não-católicas já vieram procurar sim nosso sistema, porém estamos em fase de desenvolvimento, pois para outras igrejas não-católicas não deve aparecer em nenhum momento referências sobre o Vaticano, Igreja Católica", explica João Chaves, diretor de desenvolvimento da empresa.

Essa organização e controle de gastos e receita pode parecer próxima demais do sistema de empresa "capitalista-selvagem", mas é apenas a justa e necessária adaptação. Donas de uma história que as transformam em instituições sem fins lucrativos, as Igrejas como um todo estão inseridas no terceiro setor, mas por causa dos compromissos junto à sociedade organizada, precisam se apoiar em pilares do segundo setor.

"O que normalmente encontraram com excelência no segundo setor? Planejamento, objetividade, orçamento, análise, profissionalimo e paixão", aponta o Padre Jerônimo Gasques. O que o sacerdote quis dizer? Bom, que mesmo que seja iminentemente parte do terceiro setor, o mundo moderno fez com que a Igreja se visse, financeiramente, como uma empresa, não no sentido do lucro, mas sim no sentido da necessidade de organização para evitar a falência. "A comunidade cristã não vai ao dízimo como mera forma de se captar recursos. Mostra a todos que levantar recursos não é um mal necessário, mas parte da atividade de sua organização. É uma oportunidade de receber benefícios daqueles que investem na sua visão, como também de fazê-los sentirem-se realizados por cumprirem sua missão neste mundo", explica.

O livro do sacerdote, editado este ano pela editora Paulus, quer responder para comunidade e sacerdotes a seguinte pergunta: como fazer para que o dízimo seja considerado "a" fonte de renda da Igreja? Mesmo que escrito para a comunidade católica, o livro apresenta argumentos que servem para todas as religiões que fazem a captação do dízimo.

Mas qual o jeito mais interessante de fazê-lo? "Historicamente o povo israelita poderia dizimar suas colheitas, seu gado, ou seja, o fruto de seu trabalho em espécie", explica Wilson. "É possível que haja alguns lugares onde essa forma de contribuição seja feita. A forma de captação se moderniza. Há igrejas que recebem em espécie, outras, mais modernizadas, que recebem por boleto ou depósito bancário, ou por cartão de débito, etc. A criatividade é imensa". Sim, há todas estas formas de pagar o dízimo, ou dizimar, como dizem alguns evangélicos. Assim como a Igreja evoluiu para um tipo de instituição organizada sem fins lucrativos, nada mais pertinente das formas de pagamento evoluírem também.

Fonte: Yahoo! Notícias.

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