As Crônicas de Gelo e Fogo

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segunda-feira, 9 de junho de 2008

Eu x Zidane

Daniel Cariello (http://diplo.uol.com.br/2008-05,a2383)CHÉRI À PARIS / CRÔNICAS FRANCESAS

(09/05/2008)

Primeiro sábado em Paris. Primeira festa. Atrasei-me, depois de passar um dia (infernal) na Ikea - mega-loja que é uma espécie de Tok&Stok misturada com Makro, comprando coisas para a casa.
Ao chegar lá, uma surpresa: dos alto-falantes saía música brasileira! “Essa moça tá diferente, já não me conhece mais...”, e os franceses, que adoram a canção, dançavam um samba meio frankenstein. Em seguida, mais Chico. E emendaram “O Que Será?”. Comecei a me sentir em casa.
Na rua tava muito frio. Mas no grande apartamento – uma coisa rara em Paris – tava bem quente. Tão quente que tive que tirar sobretudo, casaco, cachecol e luva, apetrechos comuns aqui, apesar de pouco familiares para os tupiniquins.
Pois bem. Meu francês não é lá essas coisas, mas dá pra bater um papinho aqui e ali. E fui sendo apresentado às pessoas.
— Esses são os donos da casa.
— Enchanté.
— Esses são meus amigos.
— Enchanté.
— Esses são amigos que moram no Senegal.
— Enchanté.
Enchanté pra cá, cerveja aqui, enchanté pra lá, cerveja acolá. Música brasileira no som. E já me sentia totalmente enturmado.
Aí me apresentaram pra um sujeito do qual não me lembro a cara. Só me lembro da camisa.
— C’est Daniel. Il vient du Brésil.
E o rapaz, tal qual um Clark Kent, abriu o casaco e me revelou sua verdadeira identidade.
— Regarde. E mostrou a estampa que ostentava, orgulhoso, do Zidane, enquanto cultivava uma expressão facial meio cínica.
Isso mesmo, o Zidane, que marcou dois gols de cabeça em 1998 e deu um balão no Ronaldo em 2006. Que nos impõs as duas últimas derrotas em Copas do Mundo. E que, na final do ano passado, perdeu a cabeça. Ou melhor: meteu-a com gosto no peito do Materazzo, zagueiro italiano.
Aí eu me enchi. Talvez pelas derrotas do nosso time. Ou pelo dia de cão na Ikea. Ou pela minha ascendência italiana. Ou simplesmente pelo excesso de cerveja. Achei que deveria fazer alguma coisa.
E fiz.
Na hora em que o rapaz exibiu a figura do careca em sua camisa, percebi que o orgulho nacional estava em jogo ali, naquele momento. Era um tapa da cara. Um desafio para um duelo. E a hora da revanche.
Senti o peso e a responsabilidade. 160 milhões de brasileiros e 60 milhões de italianos esperavam ansiosos por alguma ação minha.
Respirei fundo e, imitando o meio-campista francês, meti a testa no peito do cara, com mais força do que o previsto.
Feita a lambança, merecia um cartão vermelho, mas o máximo que pude fazer foi exibir um sorriso amarelo.
— Pardon.
No dia seguinte acordei com uma baita dor de cabeça.



Leia também: Procura-se pão francês.

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