As Crônicas de Gelo e Fogo

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sexta-feira, 30 de maio de 2008

O Rato que se retirou do mundo

Dentre as lendas dos levantinos,
uma fala de um rato que quis, certa vez,
fugir dos temíveis felinos,
entrando num queijo-holandês.

E assim, para fugir do perigo,
com os dentes cavou seu abrigo,
e enquanto este ficava mais e mais profundo,
mais se isolava ele do mundo.

Solitário, tranqüilo e bem alimentado,
precisava o ermitão de mais algum cuidado?
Tornou-se gordo e grande, como às vezes fica
aquele que a Deus se dedica
.

Depois de tornar-se afamado,
foi procurado em seu abrigo por uma expedição de ratos, que seguia para a terra vizinha,
a ver se conseguia ajuda contra o seu figadal inimigo:
o forte exército dos gatos.

Ratópolis cercada, aquela expedição fugira,
de pires na mão, apelando para outros ratos,
pois só assim poderia prosseguir em frente
e trazer o socorro urgente.

- ‘Caríssimos’ - diz o ermitão -, 'não me concernem as coisas deste mundo.
Que posso, neste antro profundo, fazer por vós,
senão pedir que vos ajude o Céu, com todo o empenho?
E coisa alguma posso dar, pois nada tenho.


E tão logo a fala encerrou,
no seu buraco se enfiou...

LA FONTAINE, Jean de. Fábulas de La Fontaine. Villa Rica, Ed. Reunidas Ltda, Belo Horizonte/MG, 1989, pp. 30,31.

Sempre que leio esta fábula, não consigo desassociá-la do atual quadro religioso que vivemos. Em que líderes se tornam verdadeiros ermitões (aparecem apenas nos programas de TV) e fazem da fé uma mercadoria veiculada em seus shows evangélicos. Que engordam às custas dos fiéis, e quando esses precisam, aqueles apenas, como na fábula, dizem: 'não me concernem as coisas deste mundo. Que posso, neste antro profundo, fazer por vós, senão pedir que vos ajude o Céu, com todo o empenho? E coisa alguma posso dar, pois nada tenho.’ Dá um tapinha nas costas e vai embora.

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